24/04/2014

Rosário Breve n.º 355 - in O RIBATEJO de 24 de Abril de 2014 - www.oribatejo.pt



Em nome do Pai

No dia 24 de Abril de 1994, o meu Pai morreu.
Sepultámo-lo no dia seguinte, faziam vinte anos os Cravos salgueiromaios.
É duro escrever sobre esses dois amados cadáveres: o de um Pai que não volta e o de uma Revolução que não chegou a vir.
Tantos (demasiados) anos depois, ainda hoje me volto para trás quando aos balcões me dizem Senhor Daniel: microesperança de ser a ele que falam, não a mim. Cumpre-me ser, ao menos em nome, a sombra do que ele foi: em nome dele, com o nome dele.
À limpa e clara figura paterna minha, aponho, sem filial desvio, a clara e limpa figura de Salgueiro Maia, esse navegador da madrugada que branqueou uma noite velha de quase meio século com a autoridade terratenente exclusiva daquele tipo de homem que todos os homens querem ser quando forem homens.
Que Vos dizer do senhor meu Pai? Não muita coisa. Que foi um primoroso pintor cerâmico anónimo. Que se salvou mercê do casamento vitalício com a mulher perpétua da vida dele. Que com ela engendrou sete filhos, dentre os que um se lembrou de acabar aos 31 anos, estilhaçando-lhe irreversivelmente o coração em cada dia dos oito invernos que conseguiu sobreviver-lhe.
E que dizer do senhor capitão Salgueiro Maia que os senhores Carlos Beato e Armando Fernandes Vos mais e tão bem não tenham já dito, na pretérita edição de O Ribatejo e em páginas notáveis que são de guardar no bolso da camisa do lado do coração? Como, sem pretensões tolas, acrescentar seja o que for aos ditos & feitos dos rapazes Beato e Fernandes? Nada, pois que nada sou à beira deles.
À beira de meu Pai, todavia, alguma coisa fui.
Alguém a quem o meu Velhote quis dar o 25 de Abril como quem dá o pão e a mão.
Alguém a quem a Liberdade (pelo menos essa que uso aos balcões do beb’esquecimento) tratasse por Senhor Daniel sem me fazer precisar de voltar-me para trás.
Para a frente, sim – que é onde e quando os Cravos devem, nascendo de vez mas agora a sério, fazer (mais) anos.


1 comentário:

Joaquim Jorge Carvalho disse...

Grande texto (também ele para o bolso do lado do coração).

Canzoada Assaltante