10/08/2012

Outra De um caderno novo, que me deu o Quim Jorge a 20 de Julho último, s/t 'inda


FALA O AMBULANTE DOS GELADOS etc.

Leiria, quarta-feira, 8 de Agosto de 2012

(Porque um 8 de Agosto mais,
in memoriam Ruy Belo)

I

Acerba antifonia taumaturga percute a matina.
Ao ambulante dos gelados apetece a sede da mulher de branco,
essa que, de tudo & todos insciente, que de si mesma não,
pousa no arredor mundo um plácid’ olhar de cão.

Sebáceo mas discreto, chamo-me Sr. Todavia, chamo-me
Sr. Por Enquanto Lopes. Ambulo gelados.
A matina é a clara menina de todos os lados.
Vergôntea branca, verdece sandálias e coração de jukebox.

Às vezes o mundo é tão bonito, que nem traz o chorar.
As gajas são de um violoncelismo glandular.
Eu não, eu só vendo gelados às crias delas.
Quase nunca falo com elas.

Todavia Lopes sou – e Por Enquanto.
Trouxe o carrinho para e por este canto.

II

Saio de casa tão cedo, que o frio não foi ’ind’ inventado.
Sou minha mesma criatura & meu mesmo criado.

III

Altiva respiração funda é a dos olhos a esta luz,
agora que o país da tarde quer ser e é eterno,
como aliás o é também no inverno
passado, ó-jesus.

Persigo no pomar da nação a infância do pessegueiro,
enquanto gelados vendo ao turismo local das criancinhas.
Diverso é o ter-sido do ora-ser por inteiro,
íntegro trecho do texto das neblinas.

Ou nebrinas. Diniz escrevia nebrinas,
ao tempo das mouriscas fidalguias.
Fez-se hera a era desses dias,
tudo tão bons rapazes, doces meninas.

Passeando por esta Leiria c’a minha Senhora tal,
com ela a meias amei as ameias do Castelo,
que, a meu ver, é, como o dela, o rosto mais belo
de quanto castelo mora em Portugal.

Estou ora sozinho. Em outra praça, a Graça
(é o nome dela) assentou e assestou a banca de tremoços.
Salgou-os frescos manhã ant’alba. Por chalaça,
à despedida, jurou amar-me o resto & toda a vida.

De modo que, sopesado o coração,
mimo, sem que se note, passo de tango.
Sai um Fizz de limão.
E um Cornetto de morango.

IV

Feições por perfeições oferece a tarde periurbana ao quieto ambulante,
que eu sou, nestas linhas, de gelados, à hora em calma.
Fere um calor bom. Derredor, primores multiplicam adiante
a unidade irisada da instância vespertina, cuja alma

vale cada corpo, por alpestre. Vejo com este rosto sobre esta
bata branca de ambulante, o boné-Olá na cabeça escura.
Reptam-me os passantes, que a comprar-me não, nem por festa,
param. Exagita-me, tanta beleza. Tenho aliás a certeza pura

de minha ser a contígua circunstância de vivo ao vivo
entre vivos, espécie de raia dos outros, como todos são,
de uns e re-outros por um. A influição, como condição,
subjaz à Cidade em saneamento respiratório, cujo crivo

nem aos infiéis defuntos prescrever permite. Oragos ermos
de nenhuma orada, maninhos é tão preciso não sermos,
que custa deixar a vida não fertilizada.

V

Escarvo o sustento.
Oxalá não repugne.
Tentar, sempre tento.
Tudo se me une.

VI

Vendedor de lados.

VII

Quando antigamente chovia, as árvores
pareciam mulheres de cabelo molhado.
Álveos & margens bebiam longitudinalmente.
Acabavam-se os almegues, a vau não podia
mais ser a travessia.
Mas tal era antigamente, quand’ inda chovia.

VIII

Há muito tempo
(excepto todas as noites, acamado já, já aleitado)
que não vou por esses ermos a receber os ventos.
O mais que faço, tem sido escrever os dias
entre tascas de arrepio & iguais pastelarias.

IX

Acabo de ver um cão e uma cadela a fazer amor.
Não à canzana, mas à humana: de costas
um para a outra.

X

Agora e na hora da nossa vida.
Até que a morte nos compare.

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Canzoada Assaltante