25/08/2012

Esta manhã de sábado, 25 de Agosto de 2012






PÃO COLUMBINO E OUTRAS MIGALHAS

Leiria, manhã de sábado, 25 de Agosto de 2012

I

A chuva nocturna perfumou de terra a pedra do meu bairro em manhã. Por a ilusão de instantes, anda-se aqui por além no monte que sobreviver soube à tempestade. Voltamos portanto a viver na aldeia. Em vez de carros, tractores. Em vez de cães encamisolatrelados, cães sem roupa e sem maneiras. Em vez de instituições de débito, o crédito largo das penedias rendilhadas de urze. Em lugar do horário, o calendário simples frio-calor que rege o semeia-colhe. (Um café, Rita, que isto demora a arrancar.)

II

Não têm decerto um dedo de gordura, as trancas da rapari’ganga que veio cafeinar-se cedo com um homem irrelevante a tiracolo. O sebo não a conhece. Está na força dos seus 24,5 anos. Cabelo forte, nem longo nem breve. Uma quase-masculinidade na evidência do seu carácter peremptório. Fuma mais por convicção do que por vício: uma espécie de fé que dá lume a si mesma. Mamas suficientes, que um catraio fraldado há-de abocar qual a troféu bífido, no porvir inelutável. Suponho-a encarregada do escritório de pedreiros do pai, mais do que ele vera patroa: aquela tez semicerrada de quem sabe muito bem ao que andam os engenheiros da Câmara e de quem sabe muito-ó-fininho o que rege as manias-de-artista dos arquitectos. Gosto dela.
Faz-me pensar que era para uma mulher assim que eu deveria ter conseguido o filho que já não farei (madeira, madeira, madeira!), não para uma dessas malucas do Teatro que, em vez de na Barrinha de Mira, gastam mas-é o Verão em festivais alegadamente celtas.

III

(Já cá tenho, na galeria do Café da Rita, a minha pomba. Às 8h58m, decido baptizá-la: Virginia – sem acento no segundo I por causa de ela ser decerto do clã Woolf.)

(E às 9h23, ida Virginia, surge o companheiro dela, que naturalmente é Leonard, para comer as sobras da fatia de pão migado que a columbina mulher dele para ele guardou.)

IV

Aprendo no jornal a existência de uma espécie de medusa chamada Caravela-portuguesa (Physalia physalis). Vive de envenenar peixes pequenos e camarões. Fez ontem interditar três praias da Costa de Caparica (Almada), as de Moreno, Sereia e Hula Hula, depois de ter “contactado” uma menina de sete anos na Morena. Diz-se que é de maior frequência no mar-alto do que junto à costa – mas.
Dá-se por ela no Pacífico, Atlântico e Índico. A parte do corpo que fica à superfície marinha parece uma vela (daí o Caravela onomástico) e chama-se pneumóforo. Entre este e os tentáculos, acumula pólipos, a sacana. Os ditos tentáculos podem chegar aos 50 metros, o raça do bicho. Afiança-se ainda que, após o indesejado e involuntário contacto com ela, o vinagre ajuda a aliviar a dor. Com o tomate, o pepino, a cebola e a alface também, digo eu.

V

(Confio que o que escrevo cada dia venha a ter, um outro dia, valor psicográfico. Não sei é por nem para quê. Nem por que confio.)

VI

A pena que tenho de as manhãs acabarem!
Sobem de mais a própria redoma, ou campânula, e estilhaçam-se ao cabo da limitada aventura aeróstata.
Não é ’inda o caso, porém: são as 11h04m do sábado.
Há ainda tempo no Tempo.
Virginia & Leonard estão alimentados.
Ofereci-me dois cafés e um quarto de barra de chocolate avelanado.
Li bem o jornal, folheei até o suplemento-revista a cores de luxo, cujas gajas, por mais frívolas, sempre coçam um bocadinho a próstata babosa a um quase inocente pré-cinquentão.
Chegado é todavia o momento de desarmar a tenda matutina.
Em casa, proceder ao périplo useiro e vezeiro: manuscrito abonando o lado esquerdo da secretária, infodactilocompor a manhã (escre)vivida e aquecer mais café, que o chocolate se acabou como a manhã. 

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Canzoada Assaltante