11/04/2012

LIGAÇÃO À MEDUSA - 25 (versalhada para conclusão da entrada de 20 de Setembro de 2011)


© DA – Terreiro da Feira de Maio, Leiria, 2 de Abril de 2012


(Se acaso a minha vida ainda desse
ao acaso a casa dos meus sonhos,
daria Jorge, Graça ou Graça Alice
à casa que, por Graça, me viesse.)

(O tempo madressilva escaninhos,
a roda das ruínas pára pouco.
Amigos, ’inda tenho, meus e poucos,
à medida de meus balcões e de meus vinhos.)

(Se acaso a minha vida ’inda tiver
um altar de pequenas coisas santas,
vos eu direi bem dela – e da mulher
que, não tendo fugido como tantas,

quiser ficar, sim, ficar quiser.)

*

(Para o meu lado de ex-menino ficava
um rastilho de corduras mal atadas.
Era o que explodia. Era o que rebentava.
E depois eram só coisas desgarradas.)

*

De bandas do mar me chegava em menino o Outono.
A promessa mor do Verão era já o Inverno.
Eu nem me assustavam as coisas, eu era breve
já: e era breve e menino e (e) terno.

Agora já não, que agora as pastilhas
da farmácia rejeito, resignado.
Um ex-menino é homem, não é gado
a que se tire o leite das mesmas filhas.

Tira-se um homem de si menino, sê sincero,
digo eu, me tuteando, quás’ insensível
– e o próprio que é próprio é admissível,

no caso de ser fingidor e vero.
De resto, espero que, das bandas do mar,
me nem queira trazido nem por levar.

*

Maravilhosas como pretas rosas eu tinha visto,
vindas do mar, as andorinhas dos peixes,
muito a voar, muito a voar.

Sequências de cores alteravam os úteros-números
de que a estatística faz filhos-contribuintes.
Calma, aí calma!, que eu fui a Celorico, eu
fui a Avintes – e, à de Egas Moniz, Avanca

antes do Nobel dos parolos e do fascismo
pobrezito.

(Mas é que agora faço versos, coitadito…)

*

As nossas palavras tornam-se pobres quando não
se tornam tão vivas quão a vida dos nossos mortos,
os que, vivos, nos amaram, viveram e falaram.

As nossas palavras, mesmo as do dia-a-dia,
são tão importantes quanto os nossos mortos,
que vivem, como os nossos vivos, que hão-de

morrer, mesmo depois de nós, ocasião soberana
para que, de vez & voz, não percamos
a oportunidade de ficar sem palavras.

*

Eu toquei com a boca vermelha a sopa de feijão-verde.
Em várias ocasiões eu fiz a minha noite assim.
A Lua molhada de prata é disso minha testemunha.

(E eu ainda hoje escapo por uma unha.)

Eu depois dele recolhi os sapatos do meu Pai.
Depois dele, também não s’iam dar aos pobres,
disse eu à minha senhora dele viúva.

(E, nisto, desatou uma tão farta chuva,
que chovê-chorar me parecia,
sapatos & noite – e noite em pleno dia.)

*

A criança não parece velha quando é nascida,
mas é antiga de quatro meses e dois dias,
a criança torna-se avó de sua própria vida:
4 de Fevereiro, 6 de Junho – e o resto, Normandias. 

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Canzoada Assaltante