14/11/2011

ROSÁRIO DE ISABEL E DINIS seguido de OUTRAS FLORAÇÕES POR ESCRITO - 49 - Leiria, segunda-feira, 13 de Junho de 2011



49. EVOCANDO DUNAS 

Leiria, segunda-feira, 13 de Junho de 2011

Nenhuma alegria ou tristeza. Apenas matéria, matéria deixada à voragem dos escombros e da ferrugem.

Al Berto, O Anjo Mudo

*

Revelações incandescem sempre.
É numa vida pequena – e não a digo breve, digo-a pequena.
Enquanto não morrer, os mortos hão-de viver.
Quintas dotadas de açucenas & cegarregas, estrelepitar de pássaros, vozes no Campo, mui deserta e maninha é a Charneca.
Num sítio sem a areia estática dos telefonemas mais anónimos: aí, estabelecer gregarismo com eucaliptos & formigas, veios de água & mais areia esboroadora da operária argila.  

*

Passei a vau já eu tanto almegue, que não há-de ser agora que um rio me afogue em sonhos.

*

Cada vida de cada um:
leve breve lebre,
que não repousa
a raposa.
            
*

Também sou capaz de evocar dunas como mulheres deitadas (fora) ao relento do céu e ao relento do mar. Sem alento, ao ar, sou capaz. Uma vez, em pleno meado Agosto, uma borrasca de granizo dizimou da praia a acorrência. O pânico das famílias entornou farnéis, chapéus-de-sol, avós, jornais. Peguei na minha filha (a única que então tinha) sob a toalha, fugi também da gelada impertinência de Deus. Desconheço se alguma vez lá voltei, talvez tenha voltado. Não sei se se volta. Muito talvez, não. Em menino, as dunas afarinhavam-se como cocaína. A areia de cima fervia, mas, enterrando o pé, a de baixo era fria. Recordo isso agora mesmo, calçado na calçada da rua, numa cidade interior sem grande futuro.
O vento esguedelhava a vegetação chã. O ar salgava até a voz, que eu usava, já então, para
evocar
não o ar
não o mar
mas este homem que me faz a barba à esquerda
no tal futuro
ao tal espelho
etc.
            
*

Roxazuláceas, as unhas de verniz desta mulher passante ante (ant, formiga em inglês) o Tribunal de Leiria.
Tarde a dois terços.
Rua e Travessa Dr. Primitivo Lopes, professor que foi do ensino secundário.
Paro à sombra e ponho-me a odiar os cânones. Odeio cânones. Estimo bem que os cânones se fodam. Quaisquer cânones. Depois a coisa passa-me. Depois,
            
*

Limbo: limo: imo.
            
*

Assustam-nos, estas ruínas de histórias.

Al Berto, idem

*

Os clientes mais idosos, cada um a sua mesa, dormitam no Café. Três adolescentes (agora quatro) casquinham os riso-histerismos da praxe etária. Faz frio nenhum, Junho retomou sua vocação de Verão. Um dos velhos levanta-se com ar de pré-cama, é de cabelo pintado a negro-mentira. Segundo velho a levantar-se, este alto, olho-azul-entre-nuvens, tez clara, sapatilhas juvenis que lhe não ficam mal, paga ao balcão, aí vai ele – como tudo vai ou há-de vir, um dia.

Sem comentários:

Canzoada Assaltante