14/07/2011

Rosário Breve nº 215 - in O Ribatejo - www.oribatejo.pt - 14 de Julho de 2011

Proust e os Tabuleiros de Tomar

Num livro intitulado A Pomba Apunhalada (todo ele dedicado à figura e à obra, geniais ambas, de Marcel Proust), o respectivo Autor, um italiano chamado Pietro Citati, escreveu:
“Não existe nada para além do nosso próprio destino, que não é mais do que o nosso carácter”.
Concordei de imediato. E mais concordei quando Citati evocou o discurso directo do incontornável e colossal criador de À La Recherche du Temps Perdu. Proust:
“Em todos os momentos da nossa vida, somos os descendentes de nós mesmos, e o atavismo que pesa sobre nós é o nosso passado, confirmado pelo hábito.”
Tudo certo, verdadeiro tudo. O (meu) problema é que, estas coisas lendo em prazenteira melancolia, me pus, literaturas à parte, a pensar (outra vez e sempre, como sempre) em Portugal.
O hábito. O atavismo. O destino. A pomba apunhalada. No nosso País, as crianças parecem nascer já octogenárias, ao passo que, na sombra corrompida e corruptora, rejuvenescidos decanos continuam urdindo o atraso, o conformismo, a acefalia, o encarneiramento, a PT, a GALP, o TGV, a Censura, a Lusofonia (esse espantalho analfa mais capaz de trepar bananeiras do que de redigir em português-de-cá uma frase limpa com sujeito, predicado e complemento), a Gastronomia Pimba e os Tabuleiros de Tomar sassaricados num alto de palanque por uma bicha doida mui pouco templária, assaz “manuelina” embora.
Estais a ver o (meu) problema: mesmo invocando Proust via Citati, não logro desembestar-me do (nosso) País. Bem mais fácil e feliz, sei-o bem, me resultaria embarcar anestesicamente nos fumos opiáceos da alienação artístico-literária. Pois: curtir umas livralhadas, fruir uns acordeonismos fadistas e lobrigar à sorrelfa, por essas praias embandeiradas de azul-ouro, as roscas de celulite das nossas linfas-ninfas divorciadas. Mas não. Por e para minha desgraça, não. Não tenho remédio: tudo se me volve analogia patrícia – e pelo lado errado do coração.
O nosso destino. O nosso carácter. O Coiso subandrógino nos Tabuleiros de Tomar. E o Tempo Perdido, sem Busca possível no improvável futuro em que, por atávico hábito e recorrente impermeabilidade ao uso de miolos, vamos continuar a apunhalar pombas e a pagar a araras de capoeira que dão-dão-dão às anquinhas plásticas no palanque de um corso que dantes, até por nabantino e popular, era bonito.

2 comentários:

Anónimo disse...

pARA QUANDO UM NOVO LIVRO?

Daniel Abrunheiro disse...

Não sei, gente, não sei.

Canzoada Assaltante