02/02/2011

Ideário de Coimbra - 158 (fragmento 2)




Fixação de elementos reais para a viagem: rapariga trelando cão sobre relvado; senhor de boné azul-escuro, casaco da mesma cor; um africano crioulando muito alto ao telemóvel; o relógio da Igreja de S. José; um arrumador a enrolar uma broca junto a um contentor verde do lixo; um par de mamas que valha-me Deus; (dor nas costelas esquerdas); publicidade a gritar euros por tudo quanto é canto e recanto; uma senhora de calças muito encarnadas e cigarro muito fino e branco; um homem de sapatos castanhos como avelãs; laranjeiras da Rua Afonso Duarte; na Rua Egas Moniz, duas mulheres palrando ao sol; um velho de bengala com um romance de Graham Greene na outra mão; palmeiras confluindo a Humberto Delgado com a João de Deus Ramos; laranjeiras da ESEC; criancinhas pintainhando em um pátio de recreio; o meu antigo Liceu (Infanta D. Maria); um cachecol azul como uma língua aftosa; uma mulher pequenina, redonda e verde como uma ervilha; universo alternativo: o Jardim Botânico; plátanos da Sá da Bandeira; aloquetes e correntes nas portas números 19, 21 e 23 desta avenida; CORREIO – TELÉGRAFO – TELEFONE: grafismo à época de Hercule Poirot; na Rua do Padrão, um cavalheiro de cachecol cor-de-leite-creme; e já (finalmente) na Estação Velha, entre os carris da linha 4, uma chupeta cor-de-caramelo estiolando uma infância que se perdeu dela-de-si-mesma.
NA ENTRADA PARA OS COMBOIOS, ATENÇÃO À DISTÂNCIA ENTRE AS PORTAS E A PLATAFORMA.
LUFAPO – FAIANÇAS E PORCELANAS – MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO.
Os meus materiais de construção são as palavras portuguesas suscitadas pelo mundo – pelo mundo e pela rosa solar que o torna ígneo no limiar februário. Recordo em prospecção. Portas e plataforma, portanto. 

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Canzoada Assaltante