27/02/2011

Ideário de Coimbra - 114

BRANDOS FRÉMITOS

Coimbra, terça-feira, 9 de Novembro de 2010

Dias lentos e noites paradas declinam, por aparente paradoxo, a rapidez efemeríssima da Vida. Oponho a isso uma paliçada de papel, que escoro (e escorro) com horas ledoras. Esta manhã mesma (que deveras principiou à meia-noite com a conclusão do primeiro volume da trilogia Cristina Lavransdatter – A Coroa, de Sigrid Undset), o trabalho de escora recorreu a Tertúlia Ocidental – Estudos sobre Antero de Quental, Oliveira Martins, Eça de Queiroz e Outros, de António José Saraiva. E não é sem um brando frémito que assisto à parada cursiva das barbas e dos sonetos de Antero, à Hespanha como Ibêria, à Liga Patriótica do Norte, ao Chiado subido até a esquina da igreja do Loreto, à Coimbra oitocentista, à principesca (e simiesca) das adulações acéfalas de um Pinheiro Chagas ao cego Castilho, aos jornais e revistas ressumando estudos e insultos e patriotismos de pechisbeque, à Internacional de cisão Marx-Bakunine, às Conferências do Casino, a Ramalho Ortigão, à Civilização Ibérica, à perda do Brasil e da importância, a Portugal ser uma coisa até D. Sebastião e outra depois da morte de Camões, às estapafurdices rácicas do indígena luso, aos misticismos frívolos, à siamesa Galiza, à sequência D. Diniz/D. Fernando/ D. Henrique como nervo íntimo da vida portuguesa, aos Cruzados tomando Lisboa, aos Genoveses ensinando-nos a marear, ao facto de que não se vive de passadas glórias, existe-se por via de forças actuais, ao conceito de que há uma parte da História que não aparece no acontecer e muito menos no acontecido. Manhã, portanto, de algum crescimento, até, por assim dizer, português. E, claro, a Comuna de Paris em 1871, a morte de D. Luiz em 1889, três anos antes disso o casamento do príncipe D. Carlos com a senhora D. Amélia, mais o Ultimatum inglês de 1890, terminador do ingénuo (por isso mesmo que nosso, extinta potência colonial) Mapa Cor-de-Rosa.

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Minutos solares durante a chuvada intensa: telefona-me a minha Leonor para me ler um texto que compôs porque sim. Gostei muito, não pela evidência subjectivíssima de ser dela, mas porque o Comunicado às Cegonhas do Louriçal está (mesmo) muito bem descoberto, imaginado e desenvolvido. O argumento é simples e eficacíssimo: todos os fins de Verão, certas “cegonhas” partem para o frio Norte, não para o tépido Sul. Percebe-se logo que são os emigrantes de franças e luxemburgos. O retrato imagético fica logo focado com alta economia de recursos. A mesma Leonor é neta materna de um par de “ex-cegonhas” dessas, pelo que a fusão avoenga/contemporânea está assegurada. De modo que chove em Coimbra, mas esta “cegonha” interina que não deixo de ser – está, por minutos, ao sol de dentro.

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Canzoada Assaltante