19/03/2010

A Boca ao Cabo de uns tantos Invernos



Pombal, entardenoitecer de 17 de Março de 2010



Os olhos enfraquecem um pouco, depende dos dias; os dentes estragam-se sem depender dos dias. Pela boca passam alimentos e objectos e ideias caídas do tecto da cabeça, também os dias passam pela boca, os dias por tudo passam, não é novidade.
Ao cabo de uns tantos invernos, o corpo trabalha. Umas vezes, o corpo é pessoa. Outras, é animal. É sempre pedra e folha sempre. Atravessa revoluções, o corpo atravessa fumegando as revoluções que lhe dizem e as que lhe não dizem respeito.
Há salões de jogos por todo o lado, mundos no mundo, simulações da ofensa e da autoprotecção, máquinas que movem, bebidas que comovem, revoadas de crianças-bibes escalonadas por cores-idades, aves aquáticas cujo repouso convida à melancolia de postal.
Não há milagres. O que há – interessa: como também o que não há. Assim também o que é e o que não é. Uma coisa que é: o corpo (pessoa e animal) vale o olhar de que é capaz. Uma coisa que não é: a miséria autojustificada.
Turva e perturba o para-quê, o das coisas como o dos corpos, o das folhas como o das pedras, os olhos e os dentes. Muitos temos de viver sem isso, o para-quê, para sobreviver sem tanta luta, tanta turvação e tanta perturbação. Muitos rolham a botelha com Deus ou o Diabo ou os dois. A Música – para quê? Vamos pelo para-quem, é melhor do que (para-)nada – e do que para-ninguém.
A Arquitectura, arte residente, resiste conforme a resistência dos materiais. Mas – e a Poesia? O problema decorre mormente de o material ser simbólico: a Poesia vê-se à rasca para conseguir meras vilegiaturas ao Sol (Único Verosímil Deus).
Alimentos e objectos e ideias que tentam erguer-se – curso de tardes largas como bandeiras de hotel-de-avenida – evolução do preço mínimo da corrida de táxi (a bandeirada) entre, digamos, os anos 20/XX e os 60/XX, na Metrópole como nas Províncias Ultramarinas – a violência adocicada do excesso de informação irrelevante: e o excesso de Poesia, não menos violento/a na boca.

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Canzoada Assaltante