24/10/2009

Rosário Breve nº 127 (republicação) - www.oribatejo.pt

Tesouro

Vi os olhos do meu pai na cara de um homem que passava na rua.

Durou pouco, o regresso desse olhar de cão batido.

O homem olhou-me com um olhar que já era o dele.

Fiquei parado na rua.

Fazia sol.

O meu destino, que na altura era ir ao multibanco, tinha perdido o sentido, como todos os destinos.

Os olhos do meu pai, caramba.

Estes anos todos sem ele, e ali estavam os olhos.

Preciso sempre de uma explicação.

Preciso sempre de saber tudo.

Continuei parado ao sol, à espera de perceber.

Não durou muito, a explicação.

Eu tinha parado diante de uma montra espelhada.

O sol devolvia-me todo um corpo de vidro e luz parecido comigo.

Olhei-me os sapatos, os joelhos, a aba do casaco, a gravata, a cara.

Nessa cara alheia, lá estava outra vez o olhar do meu pai.

Nunca mais volto ao multibanco.

Nunca mais vou precisar de dinheiro.

Um tesouro olha por mim.

22/10/2009

Voltou a Chover, M.

Souto, Casa, manhã de 22 de Outubro de 2009



Esta luz dá-se vidro, faz-se água doce à boca dos olhos.
Voltou a chover, Mãe, as manhãs têm de ser conquistadas à água.
No meu caminho, árvores de fruto carregadas de jóias:
outros tantos sinais do trabalho de pessoas invisíveis à boca da terra,
pessoas-homens e pessoas-mulheres,
poetas maiores e máximos pintores dos campos,
escuras nas manhãs e à noite diamantinas como estrelas pobres.

Sigo a minha vida como um cão segue uma sombra,
voltou a chover, Mãe, as manhãs têm ser conquistadas à sombra.

E então as pessoas dão jóias e é que são sombras que a água no vidro,
a água afinal amarga à boca dos olhos.

18/10/2009

A NOITE EM BREVE ou CORUSCAÇÕES NO IMO DE SOMBRAS (uma portugalidade delével) - 22

22

Caramulo, noite de 7 de Setembro de 2007

Não só em Lisboa, também em Leiria.

Mudam-se os cinemas em salões de Cristo Brasileiro pago à dízima.

Recordo 1991, uma das noites desse passado numerado e inumerável.

Fui a pé do Louriçal à Guia.

Entrei no Figueiredo, comi pão com carne frita, bebi vinho e pus-me a fazer como os recém-nascidos e os câmar’ardentes: a esperar.

Apareceram-me o Marrazes e o Álvaro, dois rapazes que a noite liberava como a zéfiros e respectivas folhas caídas.

Bebemos umas coisitas e fomos para Leiria.

Passado um bocado, eu estava em Peniche, mas antes fui ao cinema com o Marrazes, em Leiria.

Era um filme com o Kris Kristofferson, tinha a ver com aviões caídos e ficção científica e tal.

Depois, fui para Peniche.

Antes de ir para Peniche, a mãe dele ofereceu-nos um arroz de safio condimentado pela fervura dos anos: ela já cozinhava há muito, nós vivíamos (ou seja: bebíamos) de mais.

Aquilo passou.

Em 1991, eu tinha tudo. Podia sair à noite, como hoje posso. Podia ir a pé, como hoje vou. Podia perder-me, como hoje não deixo de fazer. Podia ler tudo – só que hoje escrevo.

Escrevo esse Verão de 1991. Fui até Peniche. O vento tomou-me logo de raiz até os dentes. Tinha uma cassete da Amália. Ajudei um homem estranho a mudar móveis, ele era ou estava para ser pai de um menino também chamado Daniel. As coisas escreviam-se-me sozinhas com uma tinta transparente na mão de ninguém. E a minha entrega era absoluta – porque ali era o berço do mar maior – com o aliás mínimo problema de não saber nem ter eu a quê nem a quem.

Perante a Nau dos Corvos, esfumada a Berlenga Grande a torrão de sal azulado, participei dessa religião de toda a pessoa olhando o mar: mas que carago. Devo ter-me lembrado de Ruy Belo comendo ali um frango pago por João Miguel Fernandes Jorge. De certeza que me lembrei de, na cercania da Senhora dos Remédios, de um autocarro de dois andares que, desactivado de quilometragem, albergava um vendedor de bifanas e de spébócks nas madrugadas do Inverno de 1986-87.

A rapidez da beleza impressiona-me muito, ainda: nascemos bebés bonitos e encarnados, morremos velhos vulgares e brancos. Já não aquilo, ainda não isto, meioidado pela absoluta entrega, ainda e também quê?, a isto. A quem? A vós – e a Ruy Belo papando o frango a JMFJ no restaurante ante a Nau dos Corvos, num dia de decerto vento.





Bookmark and Share

Anton Bruckner - Locus iste





Bookmark and Share


Anton Bruckner aqui, por exemplo.

Heinrich Schütz - música antiga para hoje





Bookmark and Share


Aprendido aqui.

17/10/2009

Krzysztof Penderecki - Threnody for the Victims of Hiroshima


Para mais info, ver aqui.



Bookmark and Share

A NOITE EM BREVE ou CORUSCAÇÕES NO IMO DE SOMBRAS (uma portugalidade delével) - 21

21

Caramulo, entardenoitecer de 7 de Setembro de 2007

Um dia vai-se embora mais, da nossa vida, fazendo-nos remar para o futuro. Continuamos a haurir a áurea luz, antes da noite em breve. Esperamos da Lua um poema de lobos.

Trabalhei de manhã na pastelaria, depois de ir ao barbeiro a que me cortasse o cabelo. Almoçámos sopa e uma lata de mexilhões com pão fresco. Bebemos gasosa. A senhora tinha ido a Viseu, eu nunca saio daqui. À tarde, trabalhei em casa, recebi um telefonema de Pombal, era o Adelino Leitão, fartámo-nos de rir e de dizer mal do (des)Governo da Nação. Então, a tarde inclinou-se sozinha como um lenço de prestidigitador. Saí de casa, percorri como um peixe os cantos aquários da vila-montanha, assentei praça neste caderno e aqui estou ainda, os pássaros pretos nos ombros, saudades do farol que diz aos barcos para não chegarem nuncanuncanuncamais.

Macia e lenta é a macilenta melancolia de quarentão apostólico de sua roma privada, já sem reis nem magos, numa república de coliseus, pão e circo.

Uma mulher morena, de olhos orientamendoados, traz a roupa castanha para o âmbito da visão redactora. É bonita, baixinha, de correcto miudinho andar de gueixa que se não queixa. Bebe chá com nipónica parcimónia, sorri para dentro como os místicos atormentados pelo excesso da Beleza. Não a conhecemos daqui. Pode ser só uma visão (uma epifania) – e, nestes tempos, uma visão pode ser tudo o que é preciso. Um ser feminino, completo, moreno: uma tomadora de chá, um fantasma talvez, que sorri para dentro. Dela tomo nota em ademanes de assexuada hipercorrecção, posto que dela a carnação aura-se nimbada de uma gaze que não é para tocar. Vai-se embora, dissipa-se través a porta, eis que já não é nem há.

Reencontrei e estantei o meu exemplar sem capas de Varanda de Pilatos, de Mestre Vitorino Nemésio. Adquiri-o numa casa semiabandonada das cercanias de Coimbra na tarde do dia 23 de Agosto de 1986, três meses exactos sobre a morte do meu Irmão Jorge. Maravilha: o exemplar foi autografado pelo Autor em 1927. É meu, só meu, só das minhas meninas, um dia. Estou a esvaziar sacos e caixas em casa há quase uma semana. Sou muito feliz. O Hemingway continua a ir a touradas e a matar-se com um tiro de caçadeira. A dispepsia do Antero não o impede de voltar a ser jovem e a moer a cabeça ao vascograçamoura do tempo dele, a besta do Pinheiro Chagas tão elogiado-dá-cá-o-beijo-no-anel pelo cegueta do Castilho. O Juan Ramón Jiménez continua a adorar a humanidade do burro Platero, em insuperáveis prosas capitulares iluminadas a vermelho pelo desenho do grande Bernardo Marques. Tenho livros do Roussado Pinto enquanto ele e enquanto o outro-nele, o Ross Pynn. Idem para o Dinis Machado/Dennis McShade. Tenho o Fuentes de O Velho Gringo, que comprei em Peniche há vinte anos. Gosto desta vidinha de estantes de prédio urbano. Lá em cima, na mansarda da crítica, está o adiposo Gaspar Simões em plena glória: O Mistério da Poesia, exemplar de 1931 para minha glória de filatelista sem selos. Cá em baixo, desconfiam-se duas mulheres do outro mundo: a senhora Woolf e a senhora Yourcenar. Tenho uma data de cowboys: Caldwell, Sinclair (o Lewis), Updike (o Sinclair), Schulberg, Mailer, Capote, Anderson (maravilhoso Sherwood), Faulkner, Fitzgerald, Dos Passos, Heller (o do Catch 22, que deu filme com Art Garfunkel, em muito novo, e Orson Welles, em já não tanto), Hammett, Chandler, Hillerman. Tenho o negro Walter Mosley. Estão lá Pai e Filho Veríssimos: Erico e Luiz Fernando. Edilberto Coutinho, João Ubaldo Ribeiro, José Mauro de Vasconcelos e Fernando Sabino – Brasil profundo. O muito meu Ferreira de Castro dá-se bem com o meu muito Alves Redol. Tenho Torga e Eugénio de Andrade, claro, mas não simpatizo com as poses: que a terra lhes seja leve, enfim. Vingo-me com Bernardo Santareno, Luís Filipe Costa, António Gedeão, Daniel Filipe, Gastão Cruz, António Osório, João Miguel Fernandes Jorge. E dou por mim tirando os olhos da biblioteca e a olhar para toda a Espanha e alguma França: Javier Tomeo e Albertine Sarrazin. Que a vida é breve – quem o nega? Que a escadaria dela pode ser alta – quem o recusa? A minha escadaria é destes degraus feita. Degrau a degrau enche o galeitor o papo, enfim.

Noite feita. Alumbra-se nos lares o fogo das ceias. Gatos vadios a casa domesticam regressos, cheios de fome e de aventura saciada. Os louva-a-deus tiram o chapéu e as botas, patinham pelos soalhos na articulada ergonomia mutante que nunca muda. Deitam-se as árvores, sobe ao lugar delas a sombra delas. O céu presépia-se em inversa bacia côncava: papipipiluzem estrelinhas poderosas de manto de mágico: azul e prata e ouro e frio: tudo siderado, tudo sideral. Vou morrer esta noite, depois de comer e antes de me levantar à manhã, pela alba, amanhã.





Bookmark and Share

Crioula tu, vai-te lixar

LEMBREI-ME AGORA ASSIM A MODOS QUE DE REPENTE: E POR QUE MOTIVO NÃO OBRIGAMOS OS CABO-VERDIANOS A ESCREVEREM O CRIOULO DELES COM A ORTOGRAFIA DO GAGO COUTINHO E DO SACADURA CABRAL?



Bookmark and Share

Esta canção do Juca Chaves é boa para responder à gaja maitê que vem a Portugal cuspir nos monumentos e na gente





Bookmark and Share

16/10/2009

AVES COMETENDO O ANIL E DEMAIS VIAS-FÉRREAS - 13

13

Pombal, tarde de 14 de Outubro de 2009

Uma vez nós éramos amanhã – como ontem.

Rua de S. Lourenço, Rua dos Loureiros, Rua Mancha-Pé, Rua de Coimbra: amanhã como ontem, gerações, terminações ontem como amanhã.

Conversei com descriados homens sobre isto de as estações não começarem já, como dantes, à hora marcada.

Vai quente o Outubro meão, postiço Verão que de maior sal marinho é feito que de outonal açúcar da mascavada castanha.

Sopra-se quanto se respira – e em bafor(n)ada sai a combustão de carbonos, litígio venoso-arterial de pulmonares.

Pingo sal poroso.

Uma série de mulheres não velhas pilotando utilitários comerciais pelas vielas empedradas.

Locução de um Mendaev a propósito da Raposa do Árctico.

História económica do lápis amarelo com borracha no extremo oposto ao do bico: tinta, madeira, mina, metal, borracha: História da Humanidade (mas não na Risco do Rui A. C., por vulgaridade).

Somos todos, cada um e por si, a Construção Civil Ambulatória: como todos somos a História da Humanidade, micenicamente até-mais-ver.

Lapso-relapso individual desde que contumaz.

(Fogueiras do S. João.)

Criancinhas de bibe azul em relvado verde: rositas.

Cassetes com vivos-mortos gravados em fita de leitor rente a laranjeira.

(Hei-de escrever cassetes: projecto lúcido.)

(Integrar o teor de tais fitas em estas

AVES COMETENDO O ANIL E DEMAIS VIAS-FÉRREAS.)

Brasileiras de tez de cagalhoto encardindo as/pelas ruas solares de Pombal: superiores a nós todas, coitadas.

Respiração amanhã, hoje tabaco, ontem Maio64-Junho65.

Pedi à Senhora que me digitalizasse a fotografia da Quinta da Machadinha, onde comecei a ser amanhã entre Maio de 1964 e Junho de 1965.

Ela disse que sim, como de costume.

Derivei: S. Lourenço, Loureiros, Mancha-Pé e a de Coimbra.

Cortando a perna direita ao R de

REI DOS FRANGOS,

ficaria

PEIDOS FRANGOS,

o que é sempre bonito.

Chuva castanha invencível: olhar um rio.

Outro homem em mim.

Laranjeira e leitor de cassetes.

Dizer tudo isto de outra maneira em o mesmo

(assim:)

Flor pequena e demorada da minha vida,

distinta assumpção morosa do viver:

vê se convidas p’ra chá a Margarida,

que, moça sendo, muito tem ‘ind’ a saber.

Fala-lhe, flor, de naperons.

Indica-lhe moços bancários casadoiros.

Diz que é séc’lo-XX, pinta-lhe tons

d’oiro-d’igreja, sempre são oiros.

Diz-lhe das lentas coisas de entarde-ser.

Lagos-76, já muitos Retornados

infectando pensões e areais doirados.

Diz-lhe, flor, de envelhe-ser, Margarida.

Isto não tem que disfarçar, é a vida:

anos do porvir – quantos já passados?

E no soneto moro e demoro minutos solares, adamascado hálito de consumptor de engaços.

A cada um, seu monte-olivete.

Prados e prados de duro gelo.

Experimentemos, pois, em nonas:

Prados e prados de duros gelos.

Degelo é viver em duros prados.

Cansados de ser, de sermos belos,

belos e frios de congelados.

Mas o Sol, essa Rosa Termonuclear.

O Sol de Outubro vingando a Tarde.

A Neurologia da Graça, do Riso, da Paciência, da Promoção do Hipermercado.

Entretanto, amanhã como homem-ontem, uma mulher assenta praça de nádegas sobre banco alto de balcão. Pede um bianco com unha de limão. Arrefega o assentamento em gretad’adiposa. Mariposa da tarde. Acento alto-beirão nas sibilantes, tramontano nas africadas. Blusa aurinegra de cavas, de que pesponta o pêlo mal rapado, axilar. Sandália demasiado branca, aliás sangrada a escarlate por duplo pentagrama de verniz: dura onicofilia, aguilar. Na cabeça, rabo: de cavalo alto. Botões de cobre chinês, saca aos pés de comer de gato. Generosa do falar. Decorosa até, quase. Ave de anoite-ser por notas de banco. Apanhada em bianco pela tarde. A tarde de amanhã. A tarde de ontem. Consequência da luxúria de alguém-vezes-dois. Senhora de suas plantas, até genéticas. Sem cartão de biblioteca. Com carta de condução. Em juvenil, o cisne habitou talvez seu perfil-de-peito. Bom momento descritor. (Vivo para isto.) Se fosse uma da manhã, em algum covil comercial de alterne, esta fêmea medusar-se-ia. Desejar ter faria, sirénica, rolhos de cera em os pavilhões auditivos. Agora, não. Agora, é só uma mulher solitária bebendo sozinha. Mariposa vespertina. Bianco. Um canino ligeiramente azul-de-podre crayonando o lado esquerdo do sorriso. Cu largo como uma praça de província, os plátanos sombreando refegos e elásticos-de-calcinhas. Mas – e as memórias eventuais (conventuais) desta mulher? Mas – quem sou homem para capitalizar, em tão magro verbo-literatura, uma presença assim larga, assim nalgal, assim aurinegra?

Cotovia, cotovia,

dá-me um trino de limão.

Se tu vires

a minha vida,

não me queiras,

queiras não

, inventei agora, ao jeito das folcobaladas (compasso ternário, naturalmente) de rancho-de-coimbra-fins-XIX-alvores-de-XX.

Depois (agora: Outubro de 2009) penso em Maio1964-Junho1965. Que quer isto dizer? Nascer da intersecção homem-mulher? Que quer isto ser? Leite de homem, clara-de-mulher-ovo: que? Sou o sétimo-de-sete. Safo-me a bruxo por ser, meu Pai, quinto de nove. Quem quer ser isto? Até, como lobisomem, falhado. Bem. Quem leia, veja: a foto da Quinta da Machadinha.

Casal arriba a casa-de-pasto, talvez ambos roçando a trintena, ele de bola craniana já sem milagres, as suíças por paradoxo hirsutas, a pele da cabeça não, ela de amarelo-cabeleireiro gratinado tipo empadão, a mama murcha, a blusa roxa, a sandália envernizada a preto-mosca. (Estais vendo o casal, decerto.) Ele é de olho azul(m)aguado, camisola-t-shirt-pólo-do-lidl, ela de brincos-de-ananás-que-perde-a-tinta, casaram-se por rendição de escolaridade mínima (EUROPA! EUROPA! EUROPA! EUROPA!), vão ter filhos, o que é sempre grave, além de bonito (COTOVIA! COTOVIA!(…)). Ai-se-ti-de-manga. Sopa em malga com filete azul. Sandes de paio. Pinguins económicos: ex-bibes azuis sobre verde-rosa.

Em visão ou sonho, sonhei ou vi.

Sou do breve país de ter nascido.

Conheço a minha condição:

igual à tua, que é de vida

à de vida ser, ó meu irmão.

Inventar este tipo de coisas enquanto o cancro ou o desastre de carro não. Ser um homem, mesmo que outro em mim, em esta, mesmo que outra, vida. O CARROSSEL MÁGICO não pode ser posto por nós, menin’omens, em tribunal: obedece a razões logísticas de aturar as consequências da luxúri’amor: os filhos que fo-so-mos amanhã, como ontem

(vê a fotografia,

MAIO DE 1964, JUNHO DE 1965, etc.,

entretanto e tantos,

(mas já agora espera por amanhã.)

Depois eu entro nisto, amanhã: talvez a minha vida tenha dado vidas, talvez não tenha apenas sido estéril como literatura.

Digo: algum lapso-relapso de uma frase em Paris, país a que nunca fui, talvez Albergaria dos Doze, talvez Moçambique, talvez, até, Newark, i-u-ésse-ei.

A minha gente é amanhã, Cecília.

You’re shaking my confidence daily.







Bookmark and Share

Manuscriptum

A verdade manuscrita?
A partir de agora nos Links da Malcata.

AVES COMETENDO O ANIL E DEMAIS VIAS-FÉRREAS - 12

12

Pombal, manhã de 14 de Outubro de 2009

No recreio da creche, pinguins azuis verdejam roseamente pelo relvado. Deflagrou a manhã, não é hora de ouvir mortos em cassete. Agora sou este homem camisazulando través a ponte breve (a ponte-ponte e a ponte-vida través o rio-tempo), o olhar caído ao rio como chuva castanha. E no ent(ret)anto dá-se, ao ar, um sol sem fronteiras que culmina a oriente na serra ruída-roída pela pedreira e a ocidente nos prédios da Charneca.

15/10/2009

Rosário Breve nº 126 - O Ribatejo - www.oribatejo.pt

Brasil, remorso e infecção

A prova definitiva de o colonialismo ser uma coisa má – está no facto de nós, Portugueses, termos inventado o Brasil, essa infecção do mundo, esse nosso remorso.

Outra violência me não ocorre senão esta, depois de ter visto a “atriz” (sem cê) e “xecritora” (com xis) Maitê Proença a humilhar-nos num programa televisivo brasileiro reles. (Sim, eu sei, dizer “televisivo brasileiro reles” é redundância).

Parece que somos o povo mais estúpido do mundo. Mas o Brasil das favelas, o Brasil morredouro de pobres, o Brasil viveiro de sequestradores, o Brasil da Polícia Militar assassina de meninos-de-rua, o Brasil do mensalão, o Brasil exterminador da Amazónia, o Brasil chinelo de borracha, o Brasil da escumalha ortográfica, o Brasil do Pelé e da Xuxa, o Brasil do vólei-de-praia, o Brasil do Pão-de-Açúcar com o Saca-Rolhas lá em cima, o Brasil da Maitê Proença – não é melhor do que nós. É pior. É uma infecção. É uma flor-do-lixo. É um escarro desonesto no nosso rosto honesto.

Haverá outros Brasis, decerto. O Brasil de Fernando Sabino. O Brasil de Chico Buarque. O Brasil de Sebastião Salgado. O Brasil de Carlos Chaparro. Mas o verdadeiro Brasil é o de Garrincha, morto nos braços da fome e do desprezo.

Maitê Proença, cuspindo-nos sem finura como nos cuspiu, rebaixou-se ao desnível de qualquer das suas (dela) muitas compatriotas que cá pelo Pórtugáu alternam a luxúria boçal dos patos-bravos e dos mal-casados em covis prostibulares sem ortografia nem remédio.

Proença não pensa. Se soubesse português, pensaria, talvez. Mas como só humilha em brasilês, não conta para o nosso totobola. Contará, quando muito, para o nosso remorso tão lusíada e tão remordido, nosso de nós, que nos enganámos algures no caminho marítimo para a Índia e fomos descobrir, para a darmos ao mundo, aquela infecciosa porcaria verde-amarela.





Bookmark and Share

AVES COMETENDO O ANIL E DEMAIS VIAS-FÉRREAS - 11

Visão da Quinta da Machadinha, que das Lajes olha Coimbra além, em cujo primeiro andar vivi o meu primeiro ano de vida (Maio de 1964 a Junho de 1965). Memória soterrada no inconsciente.



11

Souto, Casa, madrugada de 14 de Outubro de 2009

Em visão ou sonho, sonhei ou vi que em outra vida fui outro homem, a ponto de nesta ser este.

O outro homem usava gravar vozes de outras vidas, que depois de idas ficavam retidas em fitas, que o outro homem fazia falar à noite, a partir do leitor aos pés da laranjeira do quintal – e as vozes dos mortos viviam para a janela a que em outro homem eu escutava.

Um pedreiro vi que se me aproximava de casa, vinha ele a fazer o muro do quintal – e assim fez e fiz, ele. O pedreiro terminei o trabalho, deixou-lhe o muro pronto, que me sobreviveu, o ofício é o que fica do oficiante – e este homem, de mim.

13/10/2009

AVES COMETENDO O ANIL E DEMAIS VIAS-FÉRREAS - 7

7

Pombal, tarde de 29 de Setembro de 2009

A felicidade também me assusta muito, não apenas os cavalos negros e os barcos brancos.

A roda da saúde pica cartões individuais em enfermarias colectivas de propósito para o arrebanhamento das solidões.

Mas é que uma árvore espanejando pássaros e oxigénios pode ser assustadora.

Tenho amigos que negoceiam pessoalmente com o crepúsculo os novelos de andorinhas e os bidões de azeite.

Conheço pessoas que trabalham muito a vida mesma, atiram pontes, trazem sacas de grão, trocam miudezas.

Largueza estrita e estreita do Tempo: via canora, caligráfica, Dele – no meu corpo civil desarmado até os dentes.

Na cidade, a praceta igual a tantas, os prédios iguais a tantas rurais vidas de praceta urbana.

Olho a praceta do meu olhar todo tinta, papel todo.

Uma árvore escarlat’escura, magra, trepa de pedra até primeiro-andar (perspectiva).

Um Dedra a combustível GPL azul-indiga o estacionamento.

Um prédio verde-ranho persiana fechamentos existenciais.

(Ontem vi um cavalo em quase-prosa, vi, escrevi.)

(Não sei por que escrevo todas as vezes que.)

(Escrevo talvez por felicidade, o que é assustador.)

Tenho esfarrapadamente dormido. Os sonhos fragmentam-me. Pássaros de um azul-Dedra soltos a predadores. Inquieta-me uma mulher que vi há muitos anos na Figueira da Foz. Sou acossado (e coçado – e caçado) por cães flamejantes como bicos-de-gás. Sonhei com o Henrique Costa, que nos morreu este Setembro. Entrei no Colmeia e fiz despesa como os outros homens, os adormecidos sonhando-me em paralelo. A prova do sonho era ser Viseu outra vez a minha vida. As mãos do meu Pai crescendo as minhas unhas. Extraordinário florissortilégio de viver-pensando: deixar escrito canora, caligraficamente.

Tempo ido de idas costureiras, amanuense tempo de natais a dever na mercearia, o cromo-da-sorte carimbado no verso (o 114 era do Boavista, estava alfinetado no fundo da caixa para a bola-de-couro-de-papelão). Meu-tempo-mau-tempo de magia e de não arrependida pobreza. Isto que (me) deixo escrito. Sal, moura. Íris, Íbis. Força especiosa da frase tilin-cristal-ti-musical-tin. Deflagração em ouro nervoso da granada sexual. Dar de comer às moscas (agora, calma). Falas azeitelíneas do girassol-em-idioma. Fustigação e vestíbulo. O amor ser fósforo, a vida ser lixa(da). Van Basten, Van Nistelrooy, Van der Elst, Vanguarda, Vã Glória. Florescência lírica. Correia Garção na Fonte Santa. Voltaire e o Terra-17-Moto-55-de-Lisboa. Tocqueville, oui, hélas! A essencial francesice da Independência da Nort’América. Estandarte da arte de estar. Formigar de negócios afinal (tendo em conta a saúde individual) mínimos: Wall Street, canecas de louça com cromo benfica-sporting-porto-académica no bazar do Paulo Figueiredo, greve dos pilotos da TAP, em Almalaguês, Coimbra, três mortos por gaseamento em lagar vinícola, furiosa alegria assustadora, feliz. Massa verbal arborizando papel, vida, tinta, teimosia não cega.

(Lictor vespúcio garrido.

Victor Lúcio Margarido.)

(Canta.

Cantai!)

Vida-verbo. Verbo-vida-devida-à-vida-ávida. Tempo de

o planeta ranger a cada nascimento,

como diz o poeta Paulo Frederico Simão, do Bairro de Queens, NYC – e que recordarei a Rui, pai de Leonor, filha de Cecília (4 de Outubro de 2009).

Ir ao mar, a sua orla afinal feliz como os nomes-de-mármore. Aceitar a fumiformigação do comércio, as ondas de açúcar batendo solares nas pestanas, nas têmporas.

O milagre de qualquer foz.

AVES COMETENDO O ANIL E DEMAIS VIAS-FÉRREAS - 8

8

Pombal, tarde de 8 de Outubro de 2009



Cidade mínima de aos pés de pequena serra.
Brandura eólica, refrigerante.
Tempo de mulheres vivas fumiformigando crianças vivas, apáticas.
O mercado alimenta a cidadezinha, o mercadinho mínimo.
Isto da subsistência, isto da subexistência.
Isto de as religiões cobrirem de ideologia os regimes.
A cebola, seu pranto de crocodilo refogado.
O alvar, o lustral, a paneleirice dos bolos-de-anos.
As adegas em sossego de moscas enxofradas, camoesas.
A vida crónica.

Um tempo (um templo) simples e respiratório à sombra de pessegueiros em chovendo: não mais nem nada peço, posso, nem passo.

AVES COMETENDO O ANIL E DEMAIS VIAS-FÉRREAS - 10

10

Ida Souto-Louriçal, tarde de 11 de Outubro de 2009

POSTAL TRANSITIVO

Ao amarelo-torrado dos confins finais da tarde, botámo-nos a viajar um pouco pelo que restava de domingo. Sulcámos o mar aberto, o vertical mar dos pinhais. Altos pentagramas da alta-tensão zuniam música em imitação de ventos. Melancolia e felicidade equivaleram-se-nos, crepusculares ambas, ambos. Milharais convocavam juntos o ouro e a esmeralda. Vacas lentas como navios pontuavam pastos.

11/10/2009

AVES COMETENDO O ANIL E DEMAIS VIAS-FÉRREAS - 9

9

Pombal, tarde de 9 de Outubro de 2009



Serei um dia cinza do teu nome,
ninguém em ti quando alguém antes de ti.
Passos dou a esta cidade mínima (= a minha vida)
dada aos cães, às pombas, às terças-feiras.

Para lá das cinzas que somos desde nascidos, vê,
o nosso nome é mármore de pequenos acontecimentos.
Vivemos sem no saber de mínimos momentos,
que desde nascidos cinzas somos para cá, vê.

Pequena Mãe minha mínima a esta hora em sala
sua sentada caladamente antiga, velha, digo,
minha Senhora original, mãe-de-água, cala,
nosso, meu, matricial amor, meu mais amigo.

Sentadamente, uma quinta-feira, sou o homem
que é preciso não conter em sentada casa.
Que o tomem por homem, calado, não já jovem,
sujeito embora e 'inda a golpe d'asa.

Maravilha: est' arquitectura, esta feira-quinta,
este vivo estar em puro agravo.
Dou-te em mi bemol aguda requinta,
rosa minha - e eu, teu impuro cravo.

09/10/2009

Rosário Breve nº 125 - O Ribatejo - www.oribatejo.pt

Fala o meu vizinho

(Domingo é outra vez dia de eleições batráquicas. Jornada cívica de engolir sapos locais, por assim dizer. Eis o testemunho do meu vizinho sobre a efeméride.)

Ainda não sei se vou lá botá-los ou não. Já fizemos a vindima, mas há muita azeitona para varejar. Se a mulher não tossir e a motorizada também não, somos mas é capazes de ir ao crico à maré-baixa da Foz. De caminho, compra-se uns frangos assados ou assim. Tenho meio pinhal de lenha para resolver com o meu cunhado Zé Quim, pode ser que domingo a gente se resolva amigos-amigos. Falta-me uma saca de vinte quilos de sal para o porco. Preciso de um bocado de enxofre. A água-pé, em baixo na loja, dá outro cheiro à bancada de maçãs. Também se um gajo não for lá botá-los no domingo, ficam lá os mesmos à mesma. Melhor se calhar é ir mesmo ao crico, sempre dou um passeio de mota com a bicicleta e vemos o mar e assim. Terça-feira tenho de resolver com o meu cunhado Zé Quim o despejo da fossa. Não há saneamento, a gente desenrasca-se. Novembro, na festa da capela, a sardinha da matança é melhor que a de Agosto porque é mais magra. Ainda não britaram o caminho da escola, isto das politiquices ou mete manilhas de amigos-amigos ou está tudo lixado. A minha bicicleta diz que faltava mas era um que mandasse nas coisas sem estar sempre a ser preciso gastar domingos a botá-los lá. Eu nem lhe respondo porque ando sempre a pensar naquilo do meio pinhal de lenha. O nosso mais velho agora deu-lhe que quer ir para os comandos para depois ser gêéneérre. O mais novo não quer fazer nada a não ser andar com o boné virado para trás e as calças caídas a ver-se o elástico das cuecas e meio rego do cu. Ainda não foi este ano que acimentei a adega.

As cascas dos cricos ficam engraçadas coladas em coração numa tábua para pôr na parede da cozinha.

(Também não sei se lá vou botá-los domingo. Tenho enxofre a mais.)

07/10/2009

AVES COMETENDO O ANIL E DEMAIS VIAS-FÉRREAS - 6


6

Pombal, manhã de 28 de Setembro de 2009

UMA MANHÃ E OUTRA TARDE, EM TRÓIA

Numa manhã de província em uma manhã de província
toca-me a beleza do rosto com a graça molhada de suas asas,
seus pássaros verdes como esmeraldas atiradas ao erário do ar.
Brilham do chão as pastelarias, sobem os sinais de trânsito,
respiram as massas arbóreas, a máquina amarela da obra
é de uma autoridade de pus.

Olha a bela carroça de lenha!
Olha o poderoso cavalo humano!
Olha o cor-de-rosa daquela casa!
Olha a fogueira do Sol-que-respira!

Gosto muito de pensar que passa esta senhora que passa-pensando
em sua filha quase enfermeira diplomada, como passa o tempo,
quase enfermeira, a menina, quase diplomada!
Como passa, como quase!

Oh rumor de estorninhos pensados em céu de cal
través um bosque de tijolo-burro!
Oh vapor de comboios-barcos de michigan-mississipi nenhum!

Agora calma.
Agora, dar de comer às pombas.
Agora, servir os bons-dias às avós de cera que se derretem a caminho do mercado.
Agora, garantir a paz municipal do Universo Possível.

A estas horas, é noite noutro sítio.
A esta hora, um tubarão aboca um corpo mais lento.
Uma mosca pensa na vida em uma parede de retratos, a esta hora.
Drenam um tumor, a esta hora, ao mediador de seguros que casou cá
e por cá se deixou.

Uma menina vai à loja a buscar à mãe um frasco de feijão vermelho
(será diplomada um dia de enfermeira).

Minha vida de província de barcos sem mar, oh minha vida!

Pleno poder aos frutos que adoçam das árvores o ar.
Ríspida cálida fétida nítida pútrida palavração celebre tudo, célebre, célere,
apátrida embora.

Padres de colarinho-terileno são homens erectos eles também,
os-milagres-quando-nascem-são-como-o-Sol.
Empregadinhos retrosariam muito adamascados os
contadores de madeira com sólidos metros de pano.

E a beleza de isto tudo e disto tudo, a tristeza
aliás suave, aliás morredoura, de filme-
pátio-do-leão-tirano-da-canção-da-estrela-de-lisboa,
Pai!

Sucumba quem possa.
Eu não.

Olha o poderoso cavalo de lenha!

A estufa pós-prandial é obra solar.
Estio em plen'Outono.
Luz farta e forte.
Sismo e miasma, istmo e aquilo.
Força da palavra, de cada uma palavra: forte e farta.

Terra de tempo, esboroar de b(o)roa.
Ligação à terra do indivíduo palavroso, em linha com a
respiração-éter:
sombra, treva, névoa, campânula de catedral aos pés:
visão, visão, interior, visão.

Em Tróia
(qualquer lugar é e não é Tróia),
o poeta
Sebastião da Gama sente de barco,
o médico
António Martinho do Rosário fuma sem filtro,
bom sítio para levar ao Canadá
o velho
Lowry
e ao México
o jovem
Malcolm.

Em Tróia,
esta tarde,
fumegam cornetas de sétimo-de-cavalaria,
de autárquicas-little-big-horn,
de quem-nasceu-primeiro - a Indochina ou o Kosovo?

Quem me dera fosse de manhã nascer outra vez!
Que a religião católica fosse uma desobriga como o laxante,
a ida-às-putas e os poemas-do-torga!
Que a creolina das ferrovias não acendesse nas crianças a óli-úde
da emigração perpétua!
Que a secreta veneza de cada rapazinho não cheirasse nem oleasse nem vazasse -
mas antes fosse fluída e doce e para sempre até que desde sempre
fosse Verão!
(E há quanto tempo não usara sinal de exclamação!)

Do lado de fora da vida - que é o dos outros sempre, sempre
que um não é como nós - o Sol alardeia
arrogâncias aliás pobres de feirante. Isto tudo por conta
dele.
Quando, por-exemplo-sem-exemplo, vemos dois portugueses
falando português um com o outro sem
sermos eu nem tu.
Quando, exemplar, a minha Mãe é por exemplo
a Tua.
C'um carago!
- diz o português -
teimando em pagar ele.
Derredor, a massa arbórea.
Derredor'idem, café-chicória.
E a elementar pobreza dos ricos meninos de pátios-estádios,
estádios-de-graça
(por assim dizer).

Em Tróia,
as que leram a sina da Lua usam os anéis de Saturno.
A poesia,
ou por ela a vida,
é quando Emídio Navarro não é homem,
mas avenida.
A Emídio Navarro é uma avenida de Tróia,
de Helena Sá da Bandeira,
de Telémaco Dias da Silva,
de Aquiles Fernão de Magalhães,
de Homero 24 de Julho,
de José Afonso dos Aliados,
de Zé Ninguém Duque de Loulé.

Uma província alaga o coração de cada homem-pessoa,
de cada homem-mãe, de cada negociante dado por força
ao comércio de lenha de cavalo.
Uma vida corresponde a tanto engano quanto possível:
a ortografia, quando possível como o futuro ou o Universo,
pode dar uma ideia.

Como, Deus houvera, dissera Deus:

- Venham daí esses ossos!

Mas Deus,
que o Diabo não,
a Tróia é posterior.
Deus é ulterior sempre - ou sempre que nunca mais.

Helena, nome de enfermeira.

Que a Senhora D'Arbyville tratava tão bem os cavalos quão
os criados.
Que eternamente aqui andamos todos enquanto não nos
acaba.
Que os derradeiros livros à espera
de um lado
dos primeiros homens
do outro.
Que o pus das máquinas é amarelo na névoa do
trabalho e dos dias.

Sucumba quem eu.
Não possam.

Linha de Sintra, Byron para porcos.
Correnteza de aldravas, ferrões e aloquetes.
Cascotoques de cavalartelhos.
Comatoso palavrar do adormecido.

Linhas e linhas e linhas de horas e linhas por viver,
costurar,
entre gente.

A inconsciência do desespero é que faz as pessoas
falar alto,
nos cafés de Tróia.
Ou nos bares dos comboios,
entre tróias.

Tantos portugueses há na grécia-possível-do-universo-de-província!
Tanto tempo para o espelho não mentir,
em Tróia.

Agora, derivo em calma, caminho do mercado.
A nossa morte de todos nós na minha vida, voz.

Tempo de perfumadas areias refazendo dígitos,
meninos que foram a-ver-o-mar,
camartelos económicos que prensam cachorros familiares
em casotas de urbanização,
cúspide, áspide, céspede, hóspede.

Meu quase-nada atraso em ir ver as lavandeiras fluviais.
Nossa Rainha Tão Santa Clara a Velha.
Nossa Dispepsia-Cola.
Bombaim e Tavarede: multitudinário deserto à colecta.

Tempo-burro de tijolo-tróia:
um dia por pessoa,
não mais,
nunca menos.

(Os cafés são pequenos,
a conversa ouve-se quase toda,
as mulheres salt'alt'usam,
dedo-de-verniz a furar p'ra fora.)

(Ronda-Williams pelos pubs escoceses de há vint'anos,
não é preciso mais - atira,
Tróia,
atira, interior, atira!)

Entretanto, faz-se noite.
Agora, calma.
Cavalo dorme cavalo dorme Tróia dorme tempo
enorme dorme verme, exemplar.

Atira, cavalo.






Canzoada Assaltante