23/08/2009

UM POUCO ANTES DE AMANHÃ (36)

36.

Souto, Casa, tarde e noite de 22 de Agosto de 2009

Foto: Ibidem, 14 de Março de 2009

Vozes femininas trabalham ao sábado por telefone.

Trabalham em vendas (em tentativa de vendas).

Uma quer que digamos coisas da qualidade da água da rede, se aceitaríamos em casa um inquérito, confessa-nos que ganham à percentagem por contacto.

Outra diz valores existenciais sobrevindos do cartão de crédito, de como a nossa vida (e a dela) mudaria(m) se tivéssemos um.

É um sábado, a manhã acabou, não tarda é domingo o resto da vida.

Água e crédito.

Andamos todos ao mesmo.

Ter trocado a vida pela verbalidade dela – biografia possível e (im)provável.

Sedas lambendo a pele: a brisa de sob as cortinas da sala. Canetas deitadas como paus de canoa, espólio de alguma riqueza pessoal: velas, sabão, Bertrand Conway e Agostino Casaroli nas estantes, tripé da máquina fotográfica dela, uma reprodução de Klimt, uma pagela (“Não desapareceu… Vive em Cristo!”) do Professor Doutor Elysio de Moura, a Lempicka e o Hopper, o milénio já vulgar da atenção.

(…) e sábio é aquele que se limita a registar as relações das coisas.

lá diz o Oliveira Martins prefaciador dos Sonetos Completos de Antero de Quental.

Entretanto, guardei um farrapo de cor mais que flava fulva ruiva: um traço entre o laranja e o sangue, a oeste.

Não quero saber sempre da (ou: nem sempre à) estupidez de tão substancial parte do mundo.

É o que há.

Guardo aqui dentro, o mais decentemente, qualquer resq’indício de amargura.

Bebe-se café, fuma-se um cigarro, não se vai engrossar a horda de parolos a lugar algum.

(Isto das carapuças tem muito a ver com as cabeças.)

Plácidas que não ácidas horas torna(n)do adentro com Júlio Dinis, Fialho d’Almeida (a quem o grande Eça, em confissão a Nobre, terá castigado a inveja maledicente e rancorosa com o epíteto de “ignorante”), Trindade Coelho e Antero de Quental – mas também – pois por que não ? – com Algernon Blackwood, H. G. Wells, J. D. Beresford e Gerald Bullett. Uma espécie de paz.

Pelas frinchas mentais, o sopro informativo dos incêndios na Grécia, a libertação de um líbio famoso de uma prisão escocesa, a derrota em casa por 1-2 do Sporting com o Braga, dedos de eleitores cortados no Afeganistão por talibãs ex-amigos do Zamericanos, brincadeiras da fauna humana, morte do actor português Morais e Castro (o cancro levou um advogado dos pobres e dos irremediados).

Reforcei o corpo com calças, vem fresco da varanda, mui moderado é o Verão que se vai escoando pelo tempo corredor.

Assimilei algumas palavras na jornada do sábado:

APOJADURA – aumento intermitente de leite às mamas das mulheres e dos animais;

ALFARIO – cavalo saltão, brincalhão;

ATRO – negro, escuro, funesto (fúnebre);

ACRIDOFAGIA – hábito de comer gafanhotos;

BOLEAR – dar forma de bola a, arredondar, apurar (o estilo);

COALESCER – juntar, aglutinar;

DERRIÇO – maçada, impertinência, chacota, namoro, pessoa que se namora;

EIVAR – contaminar (físico, moral), impregnar;

EIVAR-SE – decair, começar a apodrecer.

Depois era o Verbo.

Sem comentários:

Canzoada Assaltante