24/03/2009

Habitação e Povoamento de Pombal (14 e 15)

© Sandra Bernardo
Homem de Bicicleta
Cabanas de Viriato. 8 de Setembro de 2008




14

Manhã de 8 de Março de 2009

Fuma-se um cigarro à porta do prédio.
O sol não dá sinais de aparecer em esplendor. Um cartão de embalar frigoríficos pladurou o céu de gesso-cinza, faz um griso apesar de tudo moderado. Vê-se uma mulher varrendo um pátio e um gato estudando um canavial português. Os automóveis são quase todos cinzento-metalizados. Uma bátega de chuva nem cairia mal. Tempo (uma hora) até almoço, seguindo-se a cógnita tarde de domingo: papéis, fotografias, arquivos argolados, leituras de geografia e de criminologia, talvez um filme faça de tampão mental até cercanias de jantar.
(Mas ontem nasceu a Margarida, filha do Zé Eduardo, minha primeira sobrinha-neta.)

Almoçamos nos Marrazes, chez “Casinha Velha”, com Isabel C., a convite dela. A refeição foi um interlúdio suave nas três vidas à mesa. Comungámos queijos, enchidos, peixe (robalo) e carne (cabrito), mais doces e café. Havia na parede um texto autógrafo de Saramago com data de 16 de Abril de 2001. Fora, um sol fresco de fim de inverno, mui-pouco-nada marçagão. Investidas de sonolência pós-prandial. Voltou-me a boa prática de deitar-cedo-cedo-erguer.
Passou.

15

Manhã de 19 de Março de 2009


Usufruto da tranquilidade decorrente da irrelevância, até cósmica, de nós todos, assim na terra como no céu.
Condição humana e filmes à tarde, embalagens de pão fatiado à americana e bibliografias do XIX.
Perto, em frente ao Armindo do Pic-Nic, dois chorões ao sol matinal.
Leitura vagarosa do Dicionário de Milagres do Eça.
A irrelevância como um consolo.
Gente.
Um polícia leva à cara o par de óculos escuros.
Casal de velhos na rua: homem à frente, mulher a dois passos, ele conferindo a carteira, ela de olhar oblíquo, descendente.
Gente, nós todos.
Gente que só em funerais se permite o luxo insensato da metafísica, a moléstia da consciência, a esferográfica da efemeridade.
Gente que saca papel higiénico nos cafés para ter em casa sem comprar.
Um cigarro calmo, banal, matinal, um cigarro que ajuda a não permitir mais auto-impostura, mais máscara.
Recolha e recolhimento.
Andando calado pelas ruas, soliloquaz em casa, com as gatas e as publicações calmosas.
Águias, águas, magias, mágoas.

2 comentários:

Manuel da Mata disse...

Gostei do "cigarro calmo". Mesmo à Eça, meu. A coisa chama~se hipálage, não é?
Tenha o meu Amigo, um bom e produtivo dia.

Daniel Abrunheiro disse...

Hipálage, de facto. Bom dia, Manel, também.

Canzoada Assaltante