28/02/2009

Na Cidade Diagonal

© Edward Steichen
Heavy Roses (1914)





Souto, Casa, manhã de 28 de Fevereiro de 2009

Homens gabardinam como verticais apeados pássaros de cinza
por as avenidas fustigadas de ríspidos ventos quase marinhos.
A cidade é inclemente: é uma intempérie de pedra e gerações.
Nas casas de sacada alta, mulheres fulminam flores cáusticas,
pelas divisões fumiga o limão fervido em oxidadas caçarolas.

Estou daqui a ver tudo por dentro, é o trabalho a que me dou,
à falta de outra lotaria e de outro cinema.
Cabisbaixam-se as magérrimas árvores municipais, ao longo.
Das confeitarias, surde a intimidade do pão doce alaranjado
de ocultas mãos torcidas e rumorosas como búzios de segredo.

Quatro camisas muito vermelhas irmanam um varandim, de
que pende um olhar de criança doente além-vidraça. Nunca é
hoje, na cidade diagonal da visão. Brevíssimas epifanias rondam
os videntes cegos que nem acordeão tocam nem cão ladeiam.
E as rosas pesam como punhos de basalto, sobre uma renda calada.

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Canzoada Assaltante