19/11/2008

Uma destas Manhãs

© Gordon Parks - Ingrid Bergman at Stromboli (1949)



Em casa, Souto, manhã de 19 de Novembro de 2008


Por toda a casa a cabeça remexe cantos e móveis.
Quem foi importante e porquê na casa, na cabeça?
Estes comícios sombrios, o rumor do padeiro ratando,
fora de portas, a canalização morseando as águas dentro,
a flama plúmbea da pomba, o acetinado da rola,
o cedro que arde ao ar e fica e sobe, estátua
de seu mesmo plantador.

Por toda a casa, a manhã feita nação do coleccionador de musgos,
juntador de caixas de papel plenas de vidros,
contas a lápis para a aritmética da borracha:
Vasco da Gama Fernandes em 1952,
Antero de Figueiredo em 1918,
Fausto Bordalo Dias em 1978,
Clara de Assis em 1193.

Pode ser a alegria, o tugúrio.
Pode não ser.
Um pouco de queijo na mesa baixa, o vinho tornado ontem,
a demanda por
Stephan Sinding, Mabet Funston, Madeleine Choiseul,
Carrier Belleuse, Virginie Demont Breton, Tyra Kleen,
Rodolpho Galli, Gloria Steinem, George Gray Barnard:
quem? quem? quem? quem? quem? quem?
quem? quem? quem?

A casa plena de cadernos onde a cabeça.
A Bergman em Stromboli, as velhas zurzindo-lhe o
Rossellini, a beleza sem cotejo que Estocolmo deu à luz
em 1915,
três anos antes de Antero de Figueiredo dar à luz certas
Jornadas em Portugal
(São Miguel de Seide, onde o infeliz Camilo,
Penacova, onde o infeliz Eugénio Moreira).

Estas coisas.

Um vivo é quanto basta para a glória dos fenecidos.
Retomador doméstico do mundo, suas barcas,
suas epifanias 8-milímetros, suas inscrições na pedra.
E a casa ser dessa pedra – e a pedra ser a síntese luz-terra.

Contar isto ao padeiro, uma destas manhãs.

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