10/09/2008

Faia tal que a vida durma

Viseu, tarde de 10 de Setembro de 2008



O brando outono nos queima já de vida o sono,
sobre a mesa do chão revoa o pão das folhas.
É antes do sono a vida feita de escolhas,
depois tão-só sono brando ao brando outono.

Escarlate ouropel tinge a subida faia,
perene é assim dela a caduca condição.
Tudo o que vivo sobe, morto cai ao chão:
o pão das folhas, ouro que desmaia.

Desmaio é não mais maio ser a vida,
que outubro a vigia de nascença.
Pessoa é quem pensou, não quem se pensa.
Aind’ assim ouro e sono – e faia enrubescida.

Além, urzes de áspera roupa emaranham
a doçura lenta dos animais de regresso.
Ao lume do lar, mulheres amanham
peixes e aves das idades do começo.

Nem chuva ainda – e sol já não.
Depois e antes – tudo durante.
É extinto o ínclito verão.
Ter-se-á – ou não – inverno à vante.

De nós mesmos mariposas, à luz que fenece
oramos tão-só nos salve-e-guarde
da fenecida vida que a morte não tarde:
mariposamos tão-só tal outonal prece.

Não maio mais. Mais que meio, o viver
outona canduras antes insuspeitas:
um expirar de sono, à hora a que deitas
aos pés de ou(tub)ro ouro ser.

Saudades do mar, ao cabo, como de uma pessoa enorme.
Lembrança, a mais fulva, ter sido para ser, noutra vida.
Sobe em ouro a vermelha faia enrubescida.
E adormecida (vivida), de sonoutono a vida dorme.

1 comentário:

Manuel da Mata disse...

Soube através de uma publicação chamada "Loures", que Mário de Sá-Carneiro viveu neste concelho (onde eu também vivo), quando ficou órfão e o pai foi viver no estrangeiro. E depois apareceu-me este teu poema que, na minha opinião, também traz algo desse outro grande poeta. Ou será leitura apressada?
A gente, mesmo sem querer, dialoga com muita gente.
Abraço.

Canzoada Assaltante