15/07/2008

ANTES QUE S. N.

Café-Restaurante-Cervejaria Lafões, fim da manhã de 10 de Julho de 2008



Passa quase nu o pé branco da rapariga chinelando.
É uma rua de comércio aberto a quem passa vivo.
Escrevo sobre uma mesa vermelha como um escarlate de unhas.
Também estou vivo – e recebo do idioma as quadras prontas.

Gosto das camisolas castanhas cheias ‘inda de infância, gosto das raparigas que, passando, me ficam na sintáctica retina.
(No adjectivo, o c antes do t justifica-se pelo x do substantivo de que decorre.)
Aqueles dois ali vendem tabletezitas de haxixe, escrevo-os daqui.

Nasci já antigo: sétimo filho de um amor de sete filhos.
Como o vosso, o meu Pai. A minha Mãe, como a vossa:
flores que à brisa espargem o pólen mais amante,
o mais amado pólen – que é preciso honrar, à luz.

Uma taça de vinho branco, um fim de manhã.
A cabecita das pombas articulando passadas cronómetras.
A rosa na boca: etimologia e música: e a poesia.
E uma rapariga de sapatos azuis marejando a rua.

Traçada a genética navalha, uma boca fina
supra um pescoço de cisne magro: outra
rapariga alardeando columbófila passagem,
na rua que branquejo a taça comercial.

Olha: uma mulher louca, criança velha
dependurada do cotovelo em riste da pobre mãe
dela (como a vossa, como a minha), o cuspo babujado na boca,
o ar mártir da pobre mãe, cujo amor redundou em loucura

e segurança social. Olha: uma blusa cor-de-rosa
amparando um par de mamas aluídas
como papa-nestlé na hora undécima da manhã.
Ouve esta frase que ouço a uma fumadora de

haxixe, cliente daqueles dois:
“Eu estou a desanimar, demoraram com uma
injecção prà infecção oito anos que neste país quando eu
estava lá fora.” Ouve, olha.

Dá-me um cigarro, leitor, dá-me uma noite
– e seremos ambos felizes: contra a corrente,
contra o vento, contra a praia que se insurge
por antagonismo nos nossos ambos corações.

Lê-me as quadras depressa mas ama-me devagar, eu tenho
soluçado impensáveis agonias, eu digo boa-tarde às pedras,
o coração fal(h)a-me: e Jerus’ além (D.C., como Washington e
depois de Cristo) não é nada a capital do mundo.

Agora vou almoçar com a minha senhora,
fecho agora o caderno e a manhã.
Pela tarde voltarei,
antes que seja noite.

1 comentário:

Manuel da Mata disse...

Depois do espírito, o corpo, pois claro.Contrato aceite. Bom apetite.

Canzoada Assaltante