20/12/2007

Vossa Senhoria Minha



Que a soberana solidão dos gatos
senhoria se torne destes versos
varridos do ar tais epifanias
da vida desunhada minha.

Que a triste bonomia assista
a estas estrofes tidas em silêncio
enquanto a circunvida
de geada teias tece.

Muito me ocorre, pouco me sucede.
Sou, como somos, vão e exposto
à roda dos conventos,
à rosa dos ventos.

À chuva as laranjeiras respiram
vapor de ouro o mais pobre:
assim quisera eu à chuva
respirar de ouro pobres versos.

É muito bonita a poesia.
Mal não faz a quem bem
conhece o vão: da vida,
das escadas, a exposição.

Soberana solitária arte
é a dos versos no Inverno
primevo vitalício
dos parados corredores

como vós e eu. Ainda
não comi nada hoje, só
preciso do ar frio tomando
água de parados peixes.

Os gatos gostam de peixes
como os versos também.
Derredor circunda a corcunda
vida sobre versos.

Tácteis maravilhas digitais,
linhas estas da pobreza.
Um pão é uma rosa,
varra o vento esta mesa.

Varra a mesa este vento
de versos, de rosas, de gatos.
A si enternece mesmo
o próprio com versos.

Conversas de circunsilêncio
demoram a hora soberana.
Passa-se a hora a semana
como a vida em vida passa.

É muito bonita a vida
senhoria nossa. Invernosa
o mais das vezes, é rosa
se em estrofes proferida.

Tenho-me num casaco preto
como o pátio que da Lua
sobra. É obra
viver viversos.

Aranha e estrela, a mão
que escreve. Poços de vidro,
olhos que lêem: assim
sós são os elementos

vossos e meus. Ainda
não vivi nada hoje, só
um clarão de laranjeiras
través a chuva comum.

Estou na demora da hora.
Estamos, somo-vos. Somo-las:
horas e demoras, rodas
de vento, meninos expostos

como meninas, vós e eu.
Em vãos de escadas em vão
esperámos o grande amor,
a lotaria grande, a rosa.

Passam gatos como horas.
O mesmo gato, a hora mesma
própria dos próprios nós:
eu e voz.

Tornam-se-nos ventos lunares
álgidas águas dentro
de que peixes dormem
como versos acordados.

Gatos gastam luas
íntimas deles soberanas
e senhorias e solitárias:
assim a vossa voz minha.

Casa alguma põe o poeta
dentro como a estrofe.
Disse-mo hoje a vida
que não vivi ainda.

Temos tempo. Ou ele
nos tem mesmo e próprio.
Corrido parador como
um peixe ele é, gato.

Que minha a vossa vida voe
a esmo imprópria, pura
e soberana. O mesmo
varra, digo, estes versos.



Caramulo, há bocadito, tarde de 20 de Dezembro de 2007

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