18/08/2007

Mão suja de tinta-da-china

Desde ontem n'O Ribatejo
a 13ª crónica de Rosário Breve.


Era por uma dessas paisagens de antiga litografia franco-inglesa de XIX: um caminho de terra arenosa linguando a floresta densa de tinta-da-china.Ocultos na floresta, talvez um elfo, um fauno talvez, ou uma cabrinha perdida, ou uma menina desflorada.À vista na estrada, de costas para a mão que escreve, um homem caminhando devagar.A figura humana não podia apreciar a beleza litográfica por ir afrontada.Era um homem de quase sessenta anos.Usava samarra cor-de-pinhão e duras calças de tela que acabavam em dois sapatos ferrados.Um chapéu negro apontava o sítio da cabeça, a aba enlutada por uma rodela de seda que já havia brilhado.A afronta do homem era em parte física – tinha comido umas nêsperas mornas que agora se lhe encortiçavam, de novo inteiras, no balseiro das entranhas.E era, a outra parte, do núcleo mental – vinha de visitar a única filha, que ele perdera em recente negócio de casamento para um herdado sem maneiras e mais de vinte anos que ela, menina, velho.Ruminando seguia o homem más nêsperas e pensamentos piores – quando, de repente e fremente urze lateral, lhe saltou à frente, pernas separadas de fixação na areada terra, um coelho.O homem estacou, fugida a absorção de que se absorvera.Ia dizer-lhe, ao coelho, um ternurosa máxima de fábula, mas nem uma palavra pôde encetar – mínimo, o coelho fugira-lhe à máxima.Pois que é da Natureza, litográfica mais que seja ou nada, falarem menos os coelhos que fugirem.Na floresta, nenhum elfo, fauno algum ou sequer cabrinha – só uma menina, a dele, desflorada como uma nêspera morna, quente, arrefecida.

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Canzoada Assaltante