01/06/2007

Algumas Coisas Pequenas

Nem sempre facilito ao corpo a vida.
Não sinto o terror dele, o terror dela.
Estou por fora, penso noutras coisas.
Um braço de lago entra ervas, longo.

Não me engano mais, preciso de ar.
Estão aí as palavras todas, outra vida.
Devagar como um pássaro velho, digo.
Uma capela de luz doura o parque.

Há alimentos em casa, atendedores.
A roupa lavada dorme de fresco.
Os passados encaracolam o pouco futuro.
Digo muito menos que sim.

Não é tanta, a tristeza morna.
Sei que me preparo.
Tabacarias, bicicletas, páginas, pão.
Este era o meu mundo, amanhã.

Um pouco de fruta, alguns lápis.
O desamor tranquilo da televisão.
Um contido desprezo pela gentalha.
A assiduidade dos cães de rua.

Nenhuma sexualidade lírica.
Nada disso, sossego e mercearia.
Uma volta pela cidade alheia, gelada.
Um tasco de sopas e bifanas.

Um jornal estrangeiro, dois bocejos.
Algumas frases com o homem das plantas.
Ele sobe oliveiras com a palavra terrena.
Ele conta-me pessoas, datas, espanhas.

Guardo em casa cantores.
Às vezes, no dia frio, uma fita de sol.
Uma chávena de caldo de galinha.
Rumores labirínticos na madeira móvel.

Outras vezes, quatro da manhã, sozinho.
Mármore e veias, olhos mansos, mãos.
Na sala, entre papéis e jarros.
Muitas frases não adormecidas.

Estou a ir, sei-o tão bem.
Conheço esta transparência.
Era menino, construía coisas pequenas.
Passeio por pedras, guardo folhas.

A alegria, a alegria, inencontrável.
Esta força autónoma na couve cerebral.
A terrível beleza da manhã.
Estou calado dentro do aquário.

Fantasmas nomeiam-se com gentileza.
Um amigo diz que foi a um travesti brasileiro.
Ao lado da estação de comboios, o outono.
As mãos envelhecendo no inverno.

Pessoas que dançam dinheiro.
Na minha cidade, o bolor e o comércio.
A minha vida, fora de mim.
Eu mais perto, ela olhando-me.



Caramulo, manhã de 1 de Junho de 2007

1 comentário:

Anónimo disse...

Se fosse portugues, talvez, percebia as tuas sensaçoes num sentido melhor.
Se fosse um teu visinho, talvez, seria muito interessante conhecer-te.
Se fosse...mas sou um Sardo de Sardenha, e posso so gostar o esterior das palavras.

Em todas as maneiras, as palavras sao vivas!

Ciao
gianmarco

Canzoada Assaltante