02/06/2006

Dá-lhe Corda

Um gajo nasce, e de pronto
terrível coisa lhe dão:
é a Vida, esse desconto
entre escuro e escuridão.

É coisa boa, viver. Porém
a dor entra e já não sai.
Veja-se o caso da Mãe.
Veja-se o caso do Pai.

E se um gajo tem um filho,
pronto nele espelho quer.
Mas esquece (é um sarilho)
que metade é da mulher.

Três metades tem a cria.
A terceira é condição
que o momento em que nascia
fosse d'emancipação.

Eu cá nunca fiz rapaz.
Fiz meninas e desde então
que me sinto até capaz
de dar corda ao coração.

Havia na minha rua,
quando era rapaz moço,
um cãozito cor da lua
a quem eu fazia almoço.

Morre o cão, e eu sozinho
percebo logo que a sorte
nem sequer é um destino,
nem é vida, nem é morte.

É um deixar andar o vento.
É um saber sem explicação.
É ir ao rio e num momento
ou afogar ou natação.

Dia a dia. Lua a lua.
Sempre com tola dignidade.
Quem na tem, chama-lhe sua:
quero dizer, a liberdade.

Como um espiga de milho
descontada grão a grão:
já sou pai, eu já fui filho,
sei dar corda ao coração.



Caramulo, manhã de 2 de Junho de 2006

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Canzoada Assaltante