08/09/2005

Graciano – Glória e Graças

Os pés nus por cima, calçados nas plantas pelo esterco híbrido de alcatrão e terriça de hortas, as unhas endurecidas de tempo amarelo e negro.
As calças entesadas de suor e chuva minerais, à cintura apertadas por cinto de plástico, que o achou Graciano no lixo.
Na mão esquerda um bolo velho, que lho deu a mulher do café, uma cristã de peito chato que sorri às moscas sem dia de encerramento para descanso semanal.
Na cabeça um boné sólido de Avelino Lima & Filhos, Construção Civil Lda.
Derramada de Graciano, a sombra de Graciano, igual a todas, vá lá.
A cada aldeia, seu louco manso.
E seu escritorzito ténue, lapijador de cadernos que não adiantam nem atrasam o relógio do mundo, também.
Glória a Deus e às obras no largo da igreja, empreendimento a encargo de Avelino Lima & Filhos, Construção Civil Lda.
Glória a Graciano e a nós glória, como para todos o Sol quando nasce ou se põe, e Graças.
Manso louco pedinte de cigarros e taças de vinho – Graciano.
A idade (a)lastrou-lhe o corpo seco, decerto saudável.
Ele é a Liberdade.
Fome, não.
Nem pobreza – não precisar de nada tudo é ter.
Gosta mais, Graciano, das sete da noite, quando os homens despegam dos trabalhos e vêm emborcar cinzanos antes dos jantares, que lhos preparam as mulheres ocultas.
Tem onde comer e dormir.
Há noites em que uiva, sobressaltando com a sua tristeza de lobisomem a canzoada sideral dos pátios da aldeia.
Noites em que imita as motorizadas, noites em que não.
Cheira a telhas partidas, a mijo, a tempo e a bolachas dadas.


Tondela e Botulho, 7 de Setembro de 2005

Sem comentários:

Canzoada Assaltante