15/07/2005

Bicicleta de Recados - 2











AUTORES


Adélia Prado
“Não sou feia que não possa casar, / acho o Rio de Janeiro uma beleza e/ ora sim, ora não, creio em parto sem dor. /Mas o que sinto, escrevo. Cumpro a sina.”
Nascida há quase 70 anos em Divinópolis, Minas Gerais, Brasil, cumpre o que diz. E escreve. E bem.

Alberto Caeiro
Fernando Pessoa gostava, como Eça, de escrever de pé. A uma cómoda alta, no dia 8 de Março de 1914, Pessoa foi ‘visitado’ pela voz do Mestre, Alberto Caeiro de seu ‘heteronome’. Era o nascimento de “O Guardador de Rebanhos”.

Alberto Pimenta
Pouco ou nada dado aos ‘poetastrismos’ dos versejadores oficiais e oficiosos deste lusitano reino cadaveroso, o poeta ‘quase incompleto’ mantém-se firme na sua dele mesma linha de sempre. E tudo leva a crer que para sempre. Uma voz de coração inteligente.

Alda Pereira Pinto
“É-me preciso ir. /Tenho sede /de essências verdadeiras. / Vou em busca de pão /para consolo /da minha fome, /de bálsamos que curem /as minhas agonias. /Não temerei a noite /que não é /e só existiria /se interromper pudesse /a cadeia das horas /na ondulação do tempo.”
Da autora, flui uma poesia muito íntima, intimista e (re)citável. Poesia do coração, da garganta e da língua, duplamente.

Alexandre O’Neill
Inconfundível, irreverente (adjectivo um tanto gasto, e mal, nos dias que correm), O’Neill foi, é e será um falso poeta menor da língua portuguesa. Ou um poeta falsamente menor. Nunca, isso não, um poeta menor falso. O’Neill é grande e p(r)onto.



Álvaro de Campos
O ‘engenheiro’ da família-só-de-homens pessoana. Estridente, impetuoso, navegador em terra, naval de cais de pedra, Campos logrou uma assertividade versilibrista incomparável. E ainda teve tempo para, da janela alta, ver o mundo todo na mínima tabacaria. O resto? Metafísica e chocolates.

António Ramos Rosa
Devolveu à vida, em inúmeros livros, o que a vida lhe deu: muita poesia. Homem de não adiar o amor, ama como (tão) poucos o ofício miseramente remunerado dos versos. Honra lhe seja feita: vem pagando bem, em vida, à mesma.

Carlos Drummond de Andrade
Caso poético em que a muita celebridade só ‘peca’ por justa. Poeta maior, amantíssimo do idioma, urdiu uma obra que muito subsidiou o reconhecimento internacional da língua de Camões e de… Drummond.

Cecília Meireles
“...Liberdade, essa palavraque o sonho humano alimentaque não há ninguém que expliquee ninguém que não entenda...”.
Outro caso absolutamente maior da poesia em língua portuguesa. Com a ‘agravante’ de ser sinal de uma mulher brasileira. Uma voz única no panorama do idioma. Uma liberdade indesmentível e indesmentida.

Eugénio de Andrade
Que morreu há pouco, dizem os jornais. Os jornais, uma vez mais e ainda, estão enganados. Que o corpo tenha falecido, enfim, é menor pormenor quando tida em conta a altura branca a que subiu a obra poética deste português cultor de rosas, Eros e sal. E de gatos e do mar e dos juncos e dos junhos. Morreu nada.

Fernando Assis Pacheco
Viveu de livros para os livros. Mas foi, entretanto, pessoa. Romanceou, divulgou, poetou. Funda sensibilidade. Amava a vida, que lhe perdoou o abandono súbito à porta de uma, naturalmente, livraria.



José Carlos Ary dos Santos
Voz alta e clara, espalhafatosa ou gorda de ternura, sensualíssima, vibrante. Figura larga, grande, ‘oscarwíldica’ (por assim dizer), cantora. Homem interventor e inconveniente, inventor e (in)decente. Noctâmbulo impenitente que muito buscou o dia claro. E o encontrou.


José Gomes Ferreira
Viu que as nuvens tinham gavetas, este josé-sem-medo. Viveu muitos anos
(quase 90), que decerto lhe souberam a pouco. Chamou ao mar “lágrima de ninguém”. Viu um filho preso. Tinha uma cabeleira branca como uma nuvem. Penteava a gaveta.

José Jorge Letria
Gosta de poesia como gosta de crianças e de canções. Isto quer dizer que gosta muito. Não se poupa a livros para espalhar um credo íntimo, desbaratando a lusitana amargura. Vai levando. Vai levando bem.


Manoel de Barros
Uma alegria brasileira com seu rebuçado de tristeza no bolso do paletó. Ele o ‘dissescreveu’: “Palavra poética tem de chegar ao grau de brinquedo para ser séria”. Com ele, a nós, chega. Chega “mêmo”.


Manuel Alegre
De si mesmo, disse Alegre um dia ser “um poeta com biografia a mais”. Fruto da exposição público-política, apresenta porém uma obra futura que se recusa a descansar sobre os louros resistentes da Praça da Canção. Vivo e activo. A mais? Não.

Manuel Bandeira
“Eu faço versos como quem choraDe desalento... de desencanto...Fecha o meu livro, se por agoraNão tens motivo nenhum de pranto.”
O grande poeta brasileiro fez grande poesia. E fez a grande poesia parecer fácil. Maior a fez, à poesia.

Manuel Maria Barbosa du Bocage
Um grande poeta da língua portuguesa injustamente emprateleirado em glosas espúrias de anedótico-obsceno teor. Também, mas não só. Viveu um défice pessoal que os vários Portugais posteriores confirmaram colectivamente. Sonetista maior. Não é anedota.

Maria Teresa Horta
Fêmea, feminina, feminista. Não esconde, bem antes pelo contrário, a pulsão erótica. ‘Inventou’ o estilo lacónico. Por exemplo. Assim. Anjo malandro. A pele salina. Muito tempo no corpo. Pouco dada a estados de alma.

Nuno Júdice
“Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amor /que se despeja no copo da vida, /até meio, como se /o pudéssemos beber de um trago. No fundo, /como o vinho /turvo, deixa um gosto amargo na /boca.” Autor de uma obra já extensa, é nome recorrente de uma geração que ainda não é (só) História (v. anos 60, 70 e ss.)


Paulo Cid
“Não acredito na palavra paz / Lembra-me uma pomba / Com uma bomba / Dentro.”
Poeta de Tondela, (re)visor implacável de um mundo absurdo mas real, Paulo Cid de si mesmo ‘escreviveu’: “Tenho a liberdade / De saber que não sou livre.” Publicou, felizmente, muito. Lê-lo e ouvi-lo é revivê-lo. Privilégio de poetas. De Tondela como do mundo.


Rosa Alice Branco
“Mais uma mulher que olha o rio. Tenho as mãos desatadas, os pés a caminho. As margens alargam quando estou perto, mas do outro lado as mulheres não reflectem o rosto ou mesmo a sua ausência.”
Disse ela. Portuguesa, disse ainda em português:
“Parece simples /a simplicidade que vem das coisas /e nos encontra a meio do /caminho /entre o que não fizemos /e o que não faremos.”


Ruy Belo
Este discreto senhor é um dos maiores poetas de sempre da língua portuguesa. Bastou-lhe estar vivo entre 1933 e 1978. Oficial sem salário da poesia, foi um discreto cidadão. Mais brilha, até e também por isso, na estante mais alta e mais luminosa da poesia. Portuguesa e além.


Sophia de Mello Breyner Andresen
Uma senhora. Claridade. Baía. Vertical e horizontal. A evidência cega do mar e a cegueira vidente da neve. Angra. Ilha e pedra. Luz e dísticos. Notas prazenteiras. Pulsão íntima. Língua branca. E azul.

Vinicius de Moraes
Fez da vida um sábado vitalício. ‘Molto cantabile’, isso sim. Poeta da bossa-nova, mas não só. Cultor divertido de clássicos, viajante líquido, dono de seu dele nariz e resto do corpo, que muito usou em livros e amores. Fez bem. Escreveu do melhor.

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Canzoada Assaltante