27/06/2005

Tantos Zeros, Senhor

2000 é um número redondo. E, como todos os números e demais riscos traçados pela mão humana, é uma coisa convencional, inventada para que o Homem possa viver na ilusão de controlar o Tempo e a História.
É também, ou sobretudo, um número cristão, uma cifra nascida da acumulação do pó dos acontecimentos contados a partir do nascimento do Messias, o Deus Humano, o Homem-Deus, O que falou límpidas palavras para tantos e tão turvos ouvidos, os nossos.
Para muitos, é um número terrível: a porta do Apocalipse, nem menos. Para muitos mais, no entanto, é um bom negócio: o champanhe reluzirá na ponta de mãos alegres, os restantes encomendarão o falecimento do cabrito, os municípios vão gastar em fogo-de-artifício o que não gastaram em estradas, centros de saúde e outras desimportantes coisas que tais.
Confesso, finalmente, que se trata de um número que me confrange um pouco. Não por ser redondo, não por ser tão pouco cristão, não por nada disso. Mas por ter tantos zeros, que me lembram o zero que, liminarmente, também serei, um dia destes, no meu último milénio.


Imparcial, Ourém, 31 de Dezembro de 1999

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Canzoada Assaltante