29/06/2005

Clandestinidade e Exílio

Estas jornadas de chuva fervente que Outubro nos traz: gosto delas.
Subo pela chuva à nuvem onde a minha infância está guardada.
Quando chove muito, estou de volta às tardes perpétuas de quando tinha nove anos, quando o mundo era uma casa arrumada. Arrumada e limpa.
Na cidade onde há quinze anos acumulo outubros, falta a luz quando chove.
Até disso gosto, valha-me Deus.
A cidade torna-se fantasmática: água que cai na escuridão, isqueiros que brilham como pirilampos náufragos, exclamações que detonam como cartuchos.
É outra dimensão, outro postal para as estrelas congeladas, clandestinidade e exílio.
Falta a luz, e só me dá para jogar às escondidas com um regozijo que os anos me roubaram.
E convosco, como é convosco? A chuva faz-vos bem? Sentis, ou não, que o mundo se torna outro?
Eu sinto. Por exemplo, vede este cão amarelo. Está aqui, tem as mãos no meu joelho, quer uma festa na cabeça e um passeio pelo monte.
Sim, o monte: a cidade desapareceu, tenho nove anos e um cão amarelo, passeamos à chuva como fantasmas futuros e benignos, oliveiras e vinhas sucedem-se como se fôssemos de comboio no túnel sideral do Tempo, não posso perder de novo este filme, está tudo bem, está tudo tão bem, tudo tão limpo e arrumado, não tarda é noite e pode ser que chova.


Pombal, 19 de Outubro de 2004

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